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O Presepio

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O primeiro Natal que passavam juntos.

“Não temos presépio”, disse ela tristemente enquanto montavam a árvore.

“Para que queres um presépio? Não somos religiosos.”

“A minha mãe montava sempre um.”

E assim, nessa tarde, ele comprou um presépio. Viu um que lhe pareceu muito engraçado à vinda para casa, muito barato também. Estava numa banquinha de rua, no meio de uma miríade de outras traquitanas natalícias. O vendedor, enrolado num capote e num grande cachecol, olhara-o desconfiadamente. Depois sorriu e vendeu-lho. “Aproveite bem!” dizia ele “Aproveite bem!”

A chegar, começou a colocar as figuras em cima do móvel da televisão. Encontrou na caixa das bolas de Natal um tapetezinho a imitar relva e usou-o como cenário para a natividade. Primeiro colocou a casinha, a manjedoura onde o menino deveria nascer. Ajeitou o burro e a vaca e logo à frente os pais orgulhosos. Num berço de palhinha, muito pequenino, ficou a criança. Os reis, montados em seus camelos, foram postos a caminho, do lado esquerdo. Pontuou o espaço verde com ovelhas sorridentes e um par de pastores. Finalmente, coroou toda a cena com um anjo que, não sendo luminoso, dava um certo ar de anunciação final ao que estava a acontecer dentro da manjedoura. Olhou para o seu trabalho: ia ser uma bela surpresa quando ela chegasse. Iria ficar tão feliz! Afastou-se um pouco. Algo lhe parecia estranho. Estava tudo no local certo, cada uma das personagens fazendo o seu papel, imóveis e serenas. Mas parecia que aquele cantinho ao lado do televisor emanava uma electricidade estática, daquelas que faz arrepiar os cabelinhos da nuca.

Ele estava certo, ela adorou. Sempre que passava por ali sentia um arrepio, mas ela estava feliz e era isso o que interessava mais. Rapidamente chegou a véspera de Natal. Estava tudo preparado, a árvore, as bolas coloridas, as prendas debaixo da árvore, os laços brilhantes rodeando cada objecto. E o presépio. Ainda lá estava. Nada naquela noite o poderia fazer sinistro, mas a verdade é que ele se sentia desconfortável com as figuras a olhar para ele.

Chegou a meia-noite, brindaram com um beijo. Antes de começarem a abrir os presentes, ela parou-o com um gesto. Agarrou-lhe os pulsos, depois a cara, afagando a sua face. Os seus olhos cintilavam, como a estrela da árvore.

“Meu amor. Tenho uma notícia para te dar que vai ser o teu presente de Natal preferido. Dentro de nove meses… Seremos três!”

Ele iniciou um sorriso, aquele que deveria ser o maior dos últimos tempos. Mas, sem se aperceber dessa fatalidade, o seu olhar desviou-se para o presépio. Todas as figuras estavam viradas para ele. Os seus olhos de barro estavam fixos nos seus. E todas elas se riam dele. O sorriso desfez-se.

“Maria! Quem é o pai dessa criança!”

“O que estás a dizer, o meu nome não é Maria!”

“Maria, responde-me!”

Começou a abaná-la pelos ombros. Quem era o pai daquela criança? Ela chorava, os seus olhos já não eram estrelas, ela chorava e dizia “Meu deus, meu deus”, ela tentava pará-lo, mas nada o podia parar.

“Foi deus? Foi deus Maria? Porque fizeste isto ao teu José?”

Levantou-a do sofá, sempre a dar-lhe safanões, estava possesso, estava furioso. A sua mente estava em branco, só conseguia ver as figuras do presépio de mãos na barriga a rir-se dele, tinha sido traído, tinha sido trocado por deus. E só pensava nisto quando agarrou na cabeça dela e a atirou para o canto do móvel, aresta afiada, sentiu algo a partir-se debaixo da sua mão e no momento seguinte era só sangue, sangue que se espalhava pelo chão de tacos, sangue que empapava o tapete de arraiolos, sangue que parecia nunca mais parar, já estava a chegar aos presentes, já estava a tingir a árvore.

Olhou para o que tinha feito e deixou-se cair no chão molhado. Todas as figuras do presépio apontavam para ele.

“Jesus não vai nascer!” diziam eles “Jesus não vai nascer!”
Há cerca de um ano pedi num journal que me dessem sugestões de coisas para escrever. Recebi duas sugestões, dos meus mais fofinhos seguidores. Uma delas (já não me lembro qual de vós a enviou, acho que foi a Lobita) era "uma história de Natal com sangue". Aqui está ela.

Muito mais curta do que tinha planeado, porque decidi enviá-la para uma fanzine que tinha um limite de palavras muito pequeno. Talvez a desenvolva mais tarde se não for aceite (o que é o mais provável). Repare-se que escrevi isto no trabalho, porque queria escrever a história que nunca mais saía e queria aproveitar para fazer a submissão e porque não tenho coisas para fazer. Alguém quer um cão?

Feliz Natal antecipado. :3
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BlackfoxC's avatar
Deus...não se pode confiar nestas figurinhas de barro! É que (se não estou em erro) no livrinho que comprei do "I am Legend" (aqueles fininhos que vêm com as revistas ás vezes) haviam três histórias curtinhas no fim do livro e uma delas falava de uma mulher que tinha comprado uma figura africana de barro que tinha uma lançazinha afiada...e a meio da noite a mulher dá de caras com a figurinha aos pés da cama com intenções de a matar...e nessa altura entra a minha mãe no quarto e eu quase tenho um ataque cardíaco -.-' 
Mas está muito fixe, é uma boa "história de Natal com sangue" x)
Continua o bom trabalho! Beijinhos

p.s. as fotos dos cosplays estão um máximo!!